Caro amigo leitor, na tarde de domingo passado, último domingo que antecede a Semana Santa, caminhando ao entorno da bela Basílica de São Geraldo, aqui em Curvelo, MG, foi surpreendido por uma pessoa muito simpática chamada Verônica, à qual dedico este artigo.
Dona Verônica estava sentada na escada da Igreja, me chamou e disse: “Padre, eu sentei aqui e perguntei para Deus: como será a Semana Santa este ano dentro de casa? Logo me veio o choro por lembrar das belas celebrações, procissões, cenas teatrais e Igrejas lotadas”. Pois é dona Verônica, estamos vivendo um novo jeito de ser Igreja e vamos celebrar a Semana Santa de um modo diferente, mas que também agradará a Deus. Ela continuou: “É verdade padre, precisamos ter fé que essa pandemia vai passar. Devemos agradecer a Deus pela nossa família e porque estamos com vida”.
A conversa com dona Verônica terminou sem muitas delongas, mas aquele rosto lagrimejado reporto-me ao tempo em que nossos antepassados ficaram exilados na Babilônia. “À beira dos rios da Babilônia, aí nos sentamos e choramos, com saudades de Sião. Nos salgueiros que por aí havia penduramos nossas harpas. Lá, aqueles que nos deportaram pediam canções, nossos opressores queriam diversões: ‘Cantem para nós um canto de Sião’. Como cantaremos um canto de Javé em terras estrangeira” (Sl 137, 1-4).
O sentimento da dona Verônica é o mesmo de muitas pessoas que amam a Igreja e participam devotamente das celebrações da Semana Santa. Será também que o sentimento que nos vem ao olhar a rua deserta, as praças vazias e as Igrejas silenciosas, não venha ser o mesmo sentimento de que estamos em terras estrangeiras? Ou será que o sentimento é que agora os exilados somos nós?
Contudo que a pandemia do Covid-19 tem nos causado, tristeza, medo, angústia, incerteza e mortes, é normal e plenamente humano o choro de muitas pessoas. Chorar é parte do ser. Porém, Verônica nos ensina que devemos chorar as nossas dores para não adoecer tanto, mas que não devemos parar no choro. Ela enxugou as lagrimas e voltou para casa, ou seja, saiu daquela situação de angústia.
Como homens e mulheres de fé, somos portadores de esperança, acreditamos em dias melhores. Sabemos que logo retornaremos às celebrações nas comunidades. Logo voltaremos a abraçar, a brincar, ir ao trabalho, à escola, ao convívio social; a vida seguirá o seu percurso natural e esperamos que seja com mais sentido e valor.
Ao vencermos essa doença do Covid-19, quem sabe, venceremos também outras epidemias que vem matando pessoas há tempo no Brasil: a dengue, a falta de saneamento básico, os sistemas corruptos, as enchentes, a violência, a fome e a pobreza. Eliminar essas mortes é dar vida digna a cada cidadão. É devolver ao brasileiro o direito do canto, da festa, da dança e da alegria. É celebrar com louvor a vida na liturgia, da Capela e Matriz.
Esse é o sonho de Deus para todos. Basta lembrarmos que Ele libertou aquele povo do exílio, porém, muitas formas de opressões permanecem até os dias atuais. Jesus ao encarnar-se, ou seja, ao assumir a nossa realidade humana e vir morar no meio de nós continuou esse sonho de libertação. Pagou caro, custou a sua vida. Mas Ele nos amou até o fim.
Essa entrega por amor valerá a pena ser refletida num momento como esse de isolamento social, com maior silêncio para a oração pessoal ou familiar. Com tempo suficiente para refletir cada estação da via-sacra. Hoje, não se trata de contemplar somente o sofrimento do Filho de Deus, mas o sofrimento da humanidade, sobretudo, dos preferências de Jesus, os pobres e os abandonados. Talvez, será a única Semana Santa que teremos para contemplar o imenso amor de Jesus pela humanidade de maneira mais recolhida, em casa. Longe das Igrejas, de familiares, das praias e das viagens agradáveis e cansativas.
Em outras Semanas Santas, para muitas pessoas passa despercebido o verdadeiro sentido do momento. No Domingo de Ramos muitos de nós vamos para a celebração piedosamente, porém, o ovo de páscoa que será dado a alguém já está comprado. Talvez até a carne e cerveja para o churrasco de Sábado de Aleluia ou Domingo de Páscoa já estejam preparados. E Jesus apenas entrou em Jerusalém, terá todo o seu sofrido desfecho.
Celebramos a Paixão e Morte de Jesus sabendo que Ele Ressuscitou. Imagina os discípulos que não sabiam de nada disso, viveram a dor e o sofrimento de Jesus como fato surpreendente. Será que eles não tiveram razões para negar, ficarem assustados e até incrédulos na madrugada do Domingo? Eis aí a chance de olharmos por outro ângulo.
Cada um vai descobrir o jeito de entrar na intimidade do Mistério Pascoal. A maioria dos personagens que aparecem no drama da Semana Santa, fizeram profunda experiência com Jesus no encontro pessoal. E foi uma experiência tão renovadora que ninguém conseguiu guardar para si após a Ressurreição. “Realmente o Senhor Ressuscitou”. Eles contaram e encantaram o mundo com essa “Boa Notícia”.
Querida dona Verônica, a senhora tem razão, é hora de agradecer a Deus por muitos motivos. Mas também é hora de lembrar o que Jesus falou para a Samaritana: “não é hora de adorar a Deus nem no Monte Gorazin, nem em Jerusalém, pois, os verdadeiros adoradores, adoram em espírito e verdade. São esse os adoradores que o Pai procura” (cf. Jo 4,20-23). Atualizando à Palavra no nosso contexto, nem na Capela e Matriz, e sim, no mais profundo do nosso ser.
Este é convite desta Semana Santa. Adorar o Pai em espírito e verdade e orar pelo mundo. Jesus é pão em nossa mesa, é vinho em nossa vida. Da oração contemplativa brotará o fruto do perdão, da justiça e da paz. Na vitória da Vida sobre a Morte está a esperança de um novo amanhecer. Temos consciência de que precisamos de políticas que visem o bem comum, porém, não podemos esquecer que esse novo mundo começa no coração de cada um. Façamos a nossa parte.
Ah! Uma última coisa muito importante. Verônica é nome fictício, mas a cena na escada da Igreja é real. Portanto, a simpática senhora representa você que acabou de ler esse artigo.
Uma abençoada Semana Santa pra você e sua família.
Pe. Sebastião Fernandes Daniel, C.SS.R.
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